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Cuidar da Água

Dois textos sobre como e porque termos uma outra atitude em relação à água.




Por Filipe Teske

Engenheiro Ambiental


Aproximadamente 70% da superfície do planeta Terra é coberta por água, porém, estima-se que apenas 1% está disponível em para nosso consumo em rios, lagos e fontes subterrâneas. O “desenvolvimento econômico”, geração de empregos, renda, crescimento de cidades, agricultura, etc, passam pela disponibilidade de água para os processos intrínsecos da existência humana.

A água é um dos fatores fundamentais para a saúde dos ecossistemas, e consequentemente, também para nós animais humanos. O percentual de água no corpo humano chega a variar de 50 a 70% dependendo da idade, ou seja, precisamos de água para manter nossos processos vitais e o nosso corpo ativo, além de nossa “primeira casa” ser uma bolsa de água.

Apesar disso (literalmente) cagamos na e para a água, e a poluímos de todas as imagináveis formas: usamos agrotóxicos, mineramos, usamos como depósito de efluentes, a privatizamos...

Considerando essa paisagem, podemos afirmar que soluções para manejo das águas através de tecnologias sociais são uma forma de um despertar para uma relação mais saudável, responsável e conectada com a água que nos cerca. Tecnologias sociais são soluções técnicas eficientes, simples ou não, possíveis de serem compartilhadas e replicadas com a técnica adequada, educando e despertando nossa responsabilidade e novas possibilidades para atuarmos frente às mudanças necessárias e urgentes.

É possível alterar nosso dano às águas ao adotarmos mudanças simples e inteligentes, como separar a canalização da descarga dos vasos sanitários das demais canalizações da casa (cozinha, lavanderias, pias), podemos pensar em formas diferentes de tratamento e reuso das águas, etcl. Podemos inserir etapas de tratamento adicionais adotando sistemas baseados nos nossos banhados naturais, criando jardins inteligentes e transformando, literalmente, merda em flor, ou até em alimento, dependendo da solução técnica adotada.

Ao despertar e assumir nossa responsabilidade e possiblidades em relação a esse elemento fundamental, caminhamos em direção à autonomia, soberania, saúde e um passo mais em direção a um bem viver, com respeito à Terra e aos demais seres que aqui também habitam.


CUIDAR DA ÁGUA


por Eduardo Raguse,


Engenheiro Ambiental

Integrante da AMA Guaíba e Amigos da Terra Brasil


A origem da vida no Planeta Terra ocorreu na água há cerca de 3,5 bilhões de anos. Toda a evolução que nos trouxe até o momento em que tu lês esse texto dependeu, diretamente, do ciclo da água. Paradoxalmente, este também é o momento em que as ações humanas têm interferido tanto nos ciclos biogeoquímicos da Terra, especialmente na última centena de anos, com o advento do capitalismo e sua (i)lógica de acumulação injusta através da exploração (de corpos e da natureza) que, depois de ter extinguido incontáveis espécies, a espécie humana se coloca em risco de extinção.


As consequências da Emergência Climática já não são somente tópicos de simulações e prognósticos de cenários, seus efeitos já são realidade hoje em todo o globo terrestre, e vão muito além da simples elevação na temperatura. Refletem-se em mudanças na distribuição, frequência e intensidade de eventos extremos: ondas de calor letais estão três vezes mais frequentes que no período pré-industrial; incêndios florestais estão mais frequentes; tempestades severas, ciclones tropicais (furacões) e precipitação extrema são favorecidos por um clima mais aquecido; secas mais intensas são impulsionadas por temperaturas mais elevadas (devido à evaporação mais rápida) e por déficit de chuvas. Somam-se a destruição de vastas áreas dos diferentes biomas pelo agronegócio e a mineração que devastam áreas de recargas de aquíferos, contaminam as águas superficiais e subterrâneas com agrotóxicos e rejeitos; e ainda o metabolismo cada vez mais intenso das cidades com volumes gigantescos de efluentes industriais e esgotos sanitários sendo despejados nos arroios, rios, lagos, lagoas e no mar. Temos como resultado uma crise da água que já está em curso, e que pode tomar proporções bélicas e catastróficas num futuro próximo.


Mesmo sendo pauta de diversas Conferências Mundiais, desde a década de 70, o Direito Humano à Água e ao Saneamento, só foi reconhecido formalmente pela ONU em 2010, passando a fazer parte do direito internacional e confirmando que esses direitos são legalmente vinculativos para os Estados. No Brasil, absurdamente, este ainda não é um direito previsto em nossa Constituição, e recentemente foi aprovado o Novo Marco Regulatório do Saneamento que tem um caráter privatizante ao acesso à água e ao saneamento, o que representa um passo largo em direção à mercantilização da água e ao afastamento garantia da água como direito fundamental de todos.


Neste cenário, juntamente com a luta coletiva pela água em quantidade e qualidade suficiente e acessível para todos, como direito e não como mercadoria, e com a resistência dos povos e comunidades originárias e tradicionais que nos desvelam a sacralidade da água e dos demais elementos dos territórios dos quais são parte e defendem, segue de fundamental importância a construção de tecnologias sociais e ecológicas eficientes e adaptadas às realidades econômicas e ambientais locais e aos materiais e recursos disponíveis, que garantam, de forma autônoma e responsável, a proteção de nascentes, a adequada captação da água a partir de diferentes origens (superficial, subterrânea e pluvial), seu correto armazenamento, sua potabilidade para consumo humano, seu aquecimento (por diferentes meios), seu correto tratamento e seu reuso ou disposição final após o uso.


A partir dos diferentes níveis e escalas de atuação possíveis o cuidado com a água é ponto crucial para possibilitar a vida desta e das futuras gerações, da nossa e das demais espécies com quem compartilhamos a existência neste Pálido Ponto Azul.



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